Conta todas, vovô
Jorge Vidal

Velejando no Plâncton

Em fins de 1973, meu querido e saudoso amigo Geraldo Linck, que havia importado o veleiro Plâncton, um Swan 40 pés, construído na Finlândia, lindo e confortável, nos convidou para uma velejada do Rio de Janeiro a Porto Alegre.
O Plâncton se encontrava ancorado no Yate Clube do Rio de Janeiro, pois havia participado da Regata Buenos Aires / Rio e o Geraldo desejava trazê-lo de volta a Porto Alegre.
Após uma viagem de avião de Porto Alegre ao Rio de Janeiro, numa linda manhã de sol típica do Rio, chegamos à sede do Yate Clube, um dos clubes mais bonitos do mundo, indiscutivelmente. Juntos, o comandante Linck, Lígia Linck, Edgar Siegmann, Fernando Recena (Mr. Ed), o fotógrafo Sidow e eu.
Após os preparativos para a longa viagem, jantamos na varanda do Yate Clube, numa bela noite, tocada a muitos papos e planos. Pela madrugada, ainda escuro, suspendemos a âncora e saímos em direção a Angra dos Reis, passando pelas praias Vermelha, Pão-de-Açúcar, Leme, Copacabana, Leblon, Barra da Tijuca (naquela época recém iniciando as primeiras construções), Recreio dos Bandeirantes, Restinga da Marambaia, daí tomando o rumo da Ilha Grande. O vento era leste, moderado e lá íamos nós, tranqüilamente, a todo o pano. O comandante Linck, como sempre muito minucioso, já havia determinado os quartos de serviço. Eu fiquei junto com a Lígia. Os turnos eram de duas em duas horas. Edgar ficava com o Fernando Recena, jovem ainda mas excelente tripulante. Geraldo e o Sidow completavam a escala.
Edgar Siegmann se esmerava, como de costume, também na cozinha. E que cozinheiro! O Sidow ia fotografando e filmando tudo, pois o Geraldo queria fazer um filme, naquela época Super 8. Das fotografias foram feitos diversos álbuns, que estão no acervo do Geraldo. O tempo continuava lindo, e nós dê-lhe papo, deliciando-nos com os quitutes do Edgar.
Chegamos à Enseada de Palmas no fim da tarde. Fomos visitar o Holandês, que lá vivia com sua macaca, danada de engraçada. Jantamos muito bem e pernoitamos bem abrigados. Pela manhã, seguimos nossa navegada, em direção à Enseada do Abraão, ao Saco de Céu e, depois de passar por uma série de praias e pequenas ilhas, chegamos à cidade de Angra dos Reis. Ancoramos próximo do porto e pernoitamos. Era uma noite calmíssima. Nada se mexia.
Pela madrugada senti uma indisposição muito forte. Para quem não sabe, banheiro de barco é coisa meio complicada. Assim como segredo de cofre: dois pra direita, um pra esquerda, aperta um botão, mais outro e outro... Enfim, é complicado. Em outras palavras, usar o banheiro de barco ancorado à noite significa acordar todo mundo, e eu não queria incomodar ninguém. Por isso resolvi colocar a escada quebra-peito e ir à água, quer dizer, ao mato... Quietinho, o Edgar vinha acompanhando meus movimentos, e quando me viu entrando em silêncio na água, perguntou aonde eu ia. Se estava fugindo ou se ia me suicidar. Convenhamos que a situação não era nada cômoda. O Edgar só foi entender quando lhe disse o que estava sentindo...
Pela manhã bem cedo levantamos âncora e fomos até o cais para abastecer. Ainda não existiam marinas em Angra, muito menos a moderna Marina Pirata’s Mall.
Seguimos nossa velejada ao longo de todo dia, passando pela Ilha da Gipóia, Enseada da Ribeira, Bracuí e ilhas e mais ilhas, até chegar a Paraty, à tardinha. Atracamos no cais dos pescadores, bem no centro da cidade. Na época era o único atracadouro. Passeamos pela antiga cidadezinha e à noite fomos jantar no restaurante Coxixo, da atriz gaúcha Maria de La Costa e de seu marido, Sandro.
Na época o Linck já estava pensando em escrever um livro sobre suas navegadas pela costa brasileira, por isso onde quer que chegássemos ele pesquisava a história do lugar, curiosidades, costumes, etc. A partir dessas anotações, publicou o primeiro dos seus quatros livros: Velejando o Brasil.
No outro dia deixamos Paraty, cruzando por Paraty Mirim, Enseada de Mamanguá, Ponta da Joatinga, Ubatuba, Praia do Flamengo, até chegarmos à Ilha dos Porcos, antigo Presídio de Anchieta, onde pernoitamos após um refrescante banho de cachoeira. Algumas quedas de água, quando repicam, chegam a atingir a altura da água no mar. Nessas cachoeiras, numerosas na região, as caravelas se abasteciam de água doce. Encostavam a caravela, e era um abraço. Quanto a nós, foi um pernoite tranqüilo no remanso da ilha, na companhia de diversos pesqueiros, pois esperava-se para aquela noite a entrada de uma frente fria, que acabou não acontecendo.
Pela manhã, com vento sul relativamente fraco, fomos lentamente, a motor, nos dirigindo a Ilha Bela, São Sebastião, até chegarmos em Santos à noite, ancorando pelas 22 horas no Yate Clube de Santos. Ainda deu para tomar um belo banho de chuveiro morno, coisa que não acontecia. Castigados pelo sal da água, nada melhor do que um bom banho de água doce. À noite, uma ótima janta, preparada, como sempre, pelo Edgar, e caímos no sono.
Ficamos dois dias em Santos, visitando o clube, os barcos e passeando pelo Guarujá. Depois seguimos para o sul, velejando por dois dias e duas noites, até Paranaguá. Não havia pressa, pois estávamos apenas no mês de novembro, e a nossa preocupação era chegar para o Natal...
Entramos em Paranaguá pelo norte da baía. Não fomos até o Canal da Galheta, fronteiro à Ilha do Mel. Cruzamos antes, o que nos causou uma certa preocupação, pois as águas por ali são muito baixas. Mas acabou tudo bem. Chegamos à noite em Paranaguá e atracamos no cais do porto, pois não existia até então nenhum clube, muito menos marinas. Janta rápida e pernoite, pois estávamos muito cansados.
No outro dia recebemos a visita do gerente da Linck S.A. de Curitiba, que trouxe um completo rancho para o Plâncton e algumas bebidas nobres. Após a arrumação geral do barco, seguimos no outro dia para São Francisco, já no norte de Santa Catarina. Mais uma bela velejada. Nesse trecho o Geraldo experimentou seu leme de vento Aries, que tinha comprado na Inglaterra. Funcionou razoavelmente, pois exigia ainda mais uns acertos finais para ficar 100%. Então continuamos a timonear no braço, revezando-nos, pois não existiam até então lemes automáticos eletrônicos. Era muito mais gostoso e romântico você ir timoneando, conversando, contando histórias. Lígia se revelou nessa oportunidade uma excelente timoneira em alto-mar. Era minha companheira de turnos e de longos papos. As pescarias a bordo eram constantes, abastecendo a cozinha do Edgar com excelentes filés. Como sou da cidade do Rio Grande, estava sempre escalado para limpar os peixes, tarefa que me acompanhou durante muitas navegadas.
Dormimos na Ilha do Bom Abrigo. No outro dia, bem cedo, entramos em São Francisco. Atracamos no cais do porto num domingo. Não era bom lugar para atracagem, pois estava cheio de baratas e ratos. Nenhum movimento. De repente fomos abordados pelo Delegado da Capitania dos Portos, que residia ali perto. Veio nos saudar e se colocar a nossa disposição para alguma necessidade. Edgar, sempre brincalhão, não perdeu tempo e pediu a ele quatro barras de gelo e duas loiras bem bonitas...
Em São Francisco a Lígia desembarcou, pois tinha compromisso de fim de ano em Porto Alegre. O gerente da Linck veio buscá-la de automóvel.
Seguimos viagem planejando pernoitar em Porto Belo, na enseada da Caixa d´Aço, o que fizemos após um belo dia de velejada, com vento leste muito camarada e batendo papo, pescando, tomando banho de balde e muito banho de sol.
À noite entramos na Caixa d’Aço. Imediatamente os pescadores vieram a bordo, oferecendo lagostas frescas, pescadas sob encomenda. Edgar encomendou-as e as preparou com esmero e a qualidade de sempre. Noite tranqüila e de muita conversa no cock-pit. De Porto Belo seguimos viagem direto para a cidade do Rio Grande, passando ao largo de Florianópolis. Um dos filhos do Geraldo embarcou em Porto Belo. Viagem até Rio Grande e, após, Porto Alegre, sempre calma, com alguns pequenos contraventos, mas sem maiores novidades. Na costa do Rio Grande as navegadas perdem um pouco do romantismo e da beleza. O desejo de todos é chegar logo, antes que entrasse uma frente fria ou um nordestão.
Depois dessa, fiz outra navegada com o Plâncton e com o meu amigo Geraldo Linck, de quem tenho grandes lembranças e muitas saudades. Viemos de São Francisco (SC), até Rio Grande e Pelotas, quando do retorno do Plâncton do Caribe (Porto Rico), pois o barco retornara a bordo de um navio e desembarcara naquela cidade. A bordo, além do comandante Geraldo, seus filhos Sérgio e André, sua sobrinha Martha e o genro do Frederico Linck, Roberto. Alguns contraventos duros, mas que deu para vencer. Os veleiros não são feitos para navegar em contraventos, mas quando não se tem outro remédio...

Uma aventura no Gigi e no Procelária

 

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