De Brasília a Buenos Aires de caiaque
André Issi sobe o Uruguai rumo à fronteira com o Brasil

O navegador aventureiro André Issi remou milhares de quilômetros desde o Rio Bartolomeu, em Brasília, até alcançar Buenos Aires. A meta era continuar até Montevidéu e daí, pelo mar, visitar Porto Alegre, sua terra natal, e por fim chegar a Florianópolis, onde reside.

Impedido de prosseguir pelas autoridades uruguaias a não ser que cumprisse certas medidas de segurança para enfrentar o mar, resolveu alterar o rumo. Comprou uma bicicleta e mandou construir um reboque para o caiaque em Carmelo, no Uruguai. De lá tem pedalado para o Norte. O caiaque irá novamente para a água no Arroyo San Miguel, afluente da Lagoa Mirim, onde abandonará a bicicleta e o reboque. André remará pela Mirim até alcançar o Canal São Gonçalo, e depois pela Lagoa dos Patos, até o Rio Guaíba, em Porto Alegre.

O navegador já conhece o trecho Mirim - Porto Alegre que em Julho de 2000 navegou em um caiaque com um windsurf no reboque (ou vice-versa). Segue o último trecho do diário e as fotos, de bicicleta pelo Uruguai.

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15-11-05 Ciudad de la Costa, dia 147
Bueno, acabei saindo tarde do ciber e só tive tempo de achar um mato de pinus um pouco antes do pedágio. Melhor deixar os problemas para amanha.
Preciso recuperar o sono e dar um descanso para o joelho.
 
16-11-05 Quarta, dia 148
- Senhor, os irmaos Glúteos estao reclamando das condicoes de trabalho...
- Esses caras sao uns " bunda moles"!
- Tudo bem, forre o banco com uma destas espumas que achamos na estrada e aproveite para forrar os punhos do sub-oficial Caloi.
É isso aí, já que a peleia é por terra, tenho que me adaptar. Tomei um coquetel de remédios para dor, anti-inflamatório e outros bichos cabeludos que ganhei do tio Rojas e Bello. Levantei o banco da bici para a perna trabalhar mais reta.
Dormi super bem e estou me sentindo melhor.
Parto às 9 h (km 32) e sou rodeado por uma procissao colegial em apoio a um colega que morreu afogado...
Sigo na direcao do pedágio, além das placas proibindo bicicletas, há uma dizendo isto em letras garrafais:
- PROHIBIDO EL TRANSITO DE BICICLETAS
Bueno, coloco meus óculos escuros, pego uma bengala e vou na direcao do pedágio, se perguntarem se nao vi as placas, digo que sou um cego...
Havia um guarda, mas baixei a cabeca e segui em frente, nao vejo, nao olho, nao paro!
Passei por um local repleto de carros antigos, já comum de ver abandonados nos pátios das casas, mas ali estavam lado a lado, tudo década de 20 e 30, lindos e abandonados.
Paro às 10:30 h para comer bergamotas. Hoje está bom de andar, boas retas, sem vento contra e matos de pinus ao lado.
Passei por vários balneários(Atlantida, pinar e outros) até chegar na ponte sobre o arroio Solis, que tem uma barra com saída para o mar que segue paralelo à estrada. Está bonito o contraste do verde das árvores, o azul do céu e do mar com as dunas brancas.
Resolvo tomar banho e lavar roupas ao lado da ponte. Desco ali e esfrego, esfrego e nao dá espuma... Seu cavalo, esta água é salgada!
De castigo, vais tomar banho de novo quando achares água doce.
Nem precisei andar muito, pois no alto da lomba um enorme cano de tubulacao vertia água em abundância. Ali tomei outro banho de caneca.
Estou me sentindo melhor para pedalar:
- Senhor, o soldado JD (joelho direito) saiu da enfermaria e quer voltar ao front de batalha!
- Ótimo! Assim nosso batalhao é quase invencível!
O sol está forte, mas sigo com a camiseta molhada e as roupas penduradas no caiaque, secando ao sol. Como lavei as alpargatas, sigo pedalando de chinelos...
Adiante, vejo uma cerca caída ao lado da ruta e aproveito para descansar e almocar à sombra de um bosque de eucaliptos.
Sao 13 h, já andei cerca de 320 km e se a estrada continuar boa assim e com acostamento, dá para acreditar. O sol está a pino, o asfalto comeca a derreter e cheguei a queimar os pés ao pisar descalco no asfalto:
- Tenente Issi, é verdade que o sr. tem uns primos árabes?
- Sim, meus avós paternos eram libaneses e os bisavós maternos italianos (Martinelli)...
- Entao é por isto que o sr está aguentando empurrar esta bici e este pesado reboque lombas acima, com asfalto a mais de 60ºC...
- Vocês, árabes estao acostumados com o deserto, as caravanas...
- Aquilo lá é fácil, os caras seguem sentados no lombo dos camelos e sua única distracao é cocar o saco e catar pulgas e piolhos dos bichos enquanto a caravana segue!
- Atencao, nao pensem que está fácil, temos "inimigos na trincheira"!
- Os soldados olham em volta, desconfiados!
- Há uma espia entre nós, é uma "tortinha" chamada Hérnia, parece nao ser de nada, mas quando age, causa dor e pânico.
-Estao vendo aqueles dois?
- Quem, senhor?
- Os cálculos renais, estao só esperando o momento de agir, fiquem alertas!
E lá se vai o pelotao, subindo e descendo coxilhas.
Agora o sol está menos forte, entao vou aproveitando o ótimo acostamento desta parte, há placas e mais placas proibindo bicicletas e aumentam quando chego em outro pedágio, pior, este está em uma subida e vou passar lento. A tática do "ceguinho" nao vai funcionar, tenho que adotar a "kamikaze", coloco uma bomba no bico do maktub e todos saem da frente.
Havia um guarda, baixo a cabeca, o quepe e os óculos, nao quero nem que vejam para onde estou olhando. Sigo na direcao do guarda e passo direto, é muito stress!
Se esses caras me pararem, nao terei como seguir. É tudo ou nada!
Depois subo a sierra de los Animas. É uma parte bem bonita, sao as primeiras montanhas que vejo. Passo por Cuchilla Alta, Bella Vista(onde tem uma bóia na estrada) até chegar em um empalme(cruzamento). Poderia seguir para Piriápolis, mas percebo que a estrada para lá nao tem acostamento. Tenho minhas prioridades e a principal é manter esta bici inteira sobre estrada com acostamento. Preciso preservar o equipamento e só nesta estrada será possível.
Adiante vejo dois policiais rodoviários de moto, um deles pára um carro e nao irá me encher o saco, ali é a entrada para Pan de Azucar.
Acelero e desco a mil, aceno para o outro e passo rápido, acho que ele desistiu de me seguir, nao iria conseguir me alcancar, he,he!
Fico feliz e vou pedalando rápido, o "coquetel" de remédios fez efeito e nao estou sentindo o joelho. Vou descendo uma lomba, vejo o km 100 e desco berrando a todos os pulmoes...
Acho que tem um espírito de porco na trincheira, pois no meio da descida o pneu do reboque furou... GRRR!
Sao 20 h, dá tempo de trocar e buscar lugar para dormir.
Parei justo na entrada de um sítio. O dono dali vem olhar o que é aquilo.
É Ricardo, um senhor bem legal e diz que este era seu sonho... Oferece o sítio!
Legal, é só trocar o pneu e vou dormir abrigado e tomar um mate.
A bomba de inflar que comprei é pré-histórica, irritante e nao infla. O reboque apoiado num toco e nao posso movê-lo dali...
Brincadeira, nao consigo arrumar e sou obrigado a armar a barraca ao lado do reboque ali na beira da estrada. Perdi o papo, o Chimarrao e o abrigo...
 
17-11-05  Quinta, dia 149
Agora sao 6:48, já comi a gororoba e vou tentar consertar a bomba, caso contrário, nao tem como sair daqui.
Seu Ricardo foi para a cidade cedo. Nao tem jeito, a bomba nao infla, entao coloco a roda no lugar e arrasto o corno do reboque para dentro do sítio e peco a D. Laura para deixá-lo ali enquanto vou de bici até Pan de Azucar com a roda.
Foi a melhor solucao que encontrei, estou p... com este pneu velho que queria trocar desde Carmelo e que me garantiram que estava bom...
Já furou duas vezes! E essa bomba de merda que nao enche bosta nenhuma...
Vou de bici até a city, deixo a roda numa gomeria e vou buscar uma loja para comprar uma bomba de pé que preste, uma câmara nova e um pneu novo.
Foi um ir e vir para achar a bendita loja, cada um dá uma informacao diferente e fico zanzando de um lado a outro, GRRRR!
Encontro um velhinho super simpático e sigo caminhando a seu lado até a praca. Dali um garotinho me leva até a loja. Compro tudo e o cara que está ali pergunta se eu nao sou o cara que vem de Carmelo...
Ele estava em Carmelo e viu meu caiaque na loja de Mário, o que construiu o reboque, baita coincidência!
Volto pra Gomeria e o pneu nao serve, destroco o pneu e vou procurar outra loja, mas nenhuma tem na medida certa. Resolvo comer algo, tomar um vinho e depois vou na gomeria, os donos já sairam para almocar...
Pego uma câmara grande e deito por cima, ao lado da bici. Duas horas depois chega o dono, monta o pneu velho e volto para o sítio de Ricardo. Assim se foi o dia.
Monto a roda no lugar e sigo pela estrada, já às 16h.
AD ASTRA PER ASPERA (aos astros, por caminhos ásperos!)
Fiz 15 km nesta brincadeira, para lugar nenhum!
Bem ou mal, já fiz mais de 360 km, faltam só 260... Fuerza y avante!
Amanha completará 5 meses ou 150 dias de viagem, onde estarei? Sei lá, nao me importa.
- Deixa a vida me levar, vida leva eu....
Hoje é outro dia de sol e sem nuvens, calor tórrido e pior ainda no asfalto.
Bueno, tento seguir pelo menos um pouco hoje e vou tocando pela estrada. O câmbio comeca a estralar e eu fico desconfiado, nao posso fazer muita forca agora que o joelho ficou bom, pois sempre deu problema quando peguei velocidade e tenho medo que rebente. Por isto, desco em qualquer lomba para nao forcar muito, pois é muito peso no reboque, percebi isto hoje quando fui só de bici, a diferenca é impressionante.
Estou numa reta, sol a pino e a corrente rebenta...
- Merda, PQP, que bosta, SACO!
Estou enfurecido, agora que arrumo uma coisa, estraga outra!
Tenho um ataque de fúria ali no meio da estrada, estou só com um litro de água e tenho que caminhar sem parar...
Assim me vou pela estrada...
- Senhor, e esta multidao atrás de nós?
- Deixe-os, estao no "filme errado", pensam que aqui é "Forrest Gump"!
Caminho por 5 km e chego num boteco. Pego água e sigo mais dois até um local onde parece haver uma oficina de motos...
Chego num bar, pago dois picolés para uns piás que estao por ali. Tomo um sorvete e sigo para a oficina que fica numa rua de chao, entre um bosque de eucaliptos. O lugar é alto astral (buena onda). Por coincidência, os piás a quem dei o sorvete eram filhos do mecânico. Ele se chama Andres, meu tocayo e sua esposa Monica e os filhos Andres e Eduardo. Ele remenda a corrente e solda um ferro que havia rompido no reboque. Nem quer cobrar, entao dou uns trocados aos piás para comprarem sorvete. Que pessoal legal.
Depois volto para o bar, tomo um leite achocolatado e resolvo dormir por ali mesmo, pois está escurecendo e o mato protege do vento. Penetro em várias ruas e acampo meio escondido onde nao passa ninguém. É um mato de eucalipto, mas há uma vegetacao rasteira que protege do vento.
Cacilda, nao consigo avancar, é um problema atrás do outro.
 
18-11-05 Sexta-Feira,  150 dias  5 MESES DE VIAGEM
Estou há uns 110 km de Montevideo, escrevo há 1 h, agora sao 7:20 h. Tenho que chegar a Maldonado e colocar uma corrente e um pneu novo para seguir melhor. Estes nao sao os únicos problemas, ainda tem a policia caminera que pode me parar a qualquer momento, mas já tenho um plano para esse caso, largo a bici no acostamento e sigo só com o reboque, ninguém vai me deter agora. Acho que consigo caminhar 30 km/dia.
Como diz o hino tricolor:
- Até a pé nós iremos, para o que der e vier...
É isso aí, 5 meses e 150 dias já se foram. Aldo, meu grande amigo, dissestes que eu só iria durar 5 dias... Qua, qua, ra, qua quá!
Tá certo que eu quase morri no 4º, 5º e 6º dias. Nunca vou esquecer daqueles momentos embaixo dágua, rolando e batendo nas pedras e sem conseguir subir. Mais um pouco nem sabia onde era a superfície. Fiquei consciente o tempo todo e sabia que estava morrendo, foi apavorante e seguir depois daquilo foi pior ainda. Foram 15 dias de corredeiras, entrando em rápidos sem saber se depois de cada curva nao haveria uma cachoeira.
Jogo muito duro brody!
Teve outras em que quase quebrei as pernas tentando parar a mim e ao caiaque enquanto rolávamos mais de 300 metros em outra. Depois o choque com a cabeca, dois dias deitado na margem sem quase poder mover-me o trem linha e o hospital...
A raiva e a decisao de continuar e a superacao do pavor! Foi quase uma vida, bichos, sobrevivência e amigos
Nem em meus sonhos mais loucos imaginei que hoje estaria levando meu caiaque de bici com reboque por 620 km... Essa eu me superei!
Bueno, o que importa é que as aventuras continuam, bem ou mal, o pelotao farroupilha segue em frente, um dia chego no Chuy!
Parti cedo e vou usando marchas leves, mais empurrando que andando, tenho que levar tudo até Maldonado onde compro corrente e pneu novo.
Após subir uma imensa lomba, chego no mirante de Punta Ballena, de onde posso ver o Cerro Pan de Azucar, há mais de 20 km e Punta del Este, um pouco a frente.Sigo até chegar em Maldonado, um pouco antes do meio dia e ali trocoa a corrente, coloco pneu novo. Agora sim, acho que dá paera chegar no Chuy.
Atravesso Punta del Este, sigo pelo lado de plya Brava e o mar está calmíssimo, até agora nao vi nada que nao pudesse ter feito por água. Isto me deixa um pouco em paz, nao fosse aqueles maricones de Maldonado, que adoram viver dentro de uma tina de madeira com espadas de pau, brincando de piratas, teria vindo, tranquilamente, até aqui.
Tudo bem, ALA AKBAR! DEUS É GRANDE!
Fui em frente até La Barra, onde tirei fotos ao lado da ponte ondulada, a mesma onde tirei em 77 com a outra bici, coisas de High Lander!
A estrada segue costeando o mar, o mar está tranquilo e sem ondas. Altíssima especulacao imobiliária e placas de prohibido isso, prohibido aquilo, tempos modernos!
Sigo em frente até chegar em uma ponte sobre a barra da Laguna Joes Ignacio, km 180, às 19:20 h.
Dali chego em outro cruce.
Estou cansado, seguindo em frente a estrada é de chao, rípio. Tenho que dobrar à esquerda e seguir para Rocha, 57 km rumo a ruta 9. Tudo pavimentado e com acostamento.
O homem do posto diz que em frente nao dá para seguir, que tem uma balsa para cruzar a Laguna Garzon e que depois termina na Laguna de Rocha:
- De ahí no pasa, no ahi nadie, sólo arenales!
Cara, eu acho que ele quis dizer... Impossível!
- Cara, nem vem, eu sei que tu vai fazer merda!
- Eu já te conheco, tu vais nos meter em fria!
- Pelotao, preparar para a peleia, vamos seguir em frente!
- Por onde?
- Até parece que voces nao sabem o comandante que tem, é logico que iremos pelo rípio rumo a balsa e por esta estrada com fim...
- Quem irá nos salvar?
- Voces mesmos, seus idiotas!
- É só acreditar em voces mesmos!
Está tarde para chegar até a balsa, tenho que achar local para dormir antes.
A estrada está cheia de calaminas e tudo vai sacolejando atrás, que Deus nos ajude!
Penetro em um loteamento com ruas aterradas entre a vegetacao de beira mar e encontro abrigo embaixo de uma pequena árvore abrigado do vento que vem do mar aqui ao lado.
 
19-11-05  Sábado,  dia 151
Hoje faz 3 meses que saí do Brasil, foram várias aventuras, estou iniciando outra aqui nesta estrada que dizem que no hay paso.
Se quebrar algo aqui, nao sei o que faco. O importante é que continuo seguindo o mar, se algo quebrar, meu destino é o mar.
Amanheceu com o canto dos sabiás-laranjeira, seriemas e outros.
Agora sao 6:54, escrevo há uma hora, vou partir rumo a tal balsa, espero que o reboque aguente. Lamento pelos soldados, mas este é um pelotao de guerra e eu enchi o saco de asfalto, ali nada acontece, eu quero aventura!
Este pelotao voltará coberto de glórias ou terminará nos céus de Olimpia.
Cinco km depois, chegamos na balsa que está no km 190.¨´E a Barra de Laguna Garzon.
Estou radiante de alegria, nao sei o que tem pela frente, os caras da balsa dizem que na lagoa de Rocha nao tem nada, falam de arenales. Devo pegar um desvio 8 km antes e seguir para Rocha ou  cruzar sobre a água... É, eu posso colocar o reboque sobre o caiaque, voltar e buscar a bici... É uma idéia!
O problema é se a água for salgada, vai detonar bici e reboque.
Azar, eles se alistaram para seguir só até o Chuy, dali eles que vao para um hospital. Bueno, sigo filmando e fotografando tudo, pois as paisagens sao belíssimas. Há lagoas de um lado, mar de outro. Campos a perder de vista, bosques de mata nativa, de eucaliptos e de pinus.
O verde dos campos contrasta com o azul do mar, é muito show!
Eu fico rindo sozinho, como é bom ser aventureiro, ter estes momentos embriagantes de liberdade, isto vicia brody!
Sigo pela estrada, nao é tao ruim assim, só nao sei até onde tudo aguentará!
Agora é o pneu direito que está perdendo pedacos, já caíram 2 gomos e está caindo o 3º.
Para comemorar os 3 meses fora do Brasil, a tropa irá tomar banho de sanga.
Encontro uma ao lado da estrada e ali faco a barba, tomo banho e lavo as roupas.
Estou secando quando chega um senhor a cavalo, é Mario. Ele confirma que nao dá para passar na lagoa de Rocha, acontece que botei na cabeca que vou passar, de uma forma ou outra.
Atravessando a barra, chegarei em La Paloma e sigo pela beira do mar como quero.
Sigo em frente até às 11:30 h e resolvo descansar a sombra de um bosque de eucaliptos, pois estou "morrendo" de fome.
Comi a milaneza que comprei ontem, morangos, bergamotas, laranjas e bananas. De sobremesa, chocolate!
O caiaque está mais carregado que nunca, agora com frutas, mais água, ferramentas e repuestos para la bici.
Depois faco a "siesta" até às 13:30 h. O sol está muito forte, mas tenho que seguir para aproveitar o vento favorável.
No km 213 chego no tal desvio e vou em frente. Agora a batalha se desenvolve nos campos que serpenteiam sem parar. Marrecas piadeiras, macaricos e tarras dividem o espaco com gaivotas e outros bichos do mar.
Cada vez pior, há uma placa:
- CAMINO SIN SALIDA
Outra:
- PARQUE NACIONAL LACUSTRE
Área protegida, prohibido isso, prohibido aquilo, acampar, cazar, nadar, respirar, viver, ser livre!
Admirável Mundo Novo!
Nosso mundo está ficando muito pequeno, nunca havia me dado conta da quantidade de coisas proibidas, tá louco brody!
O Uruguay me passa a impressao de ser uma grande fazenda, onde as sedes de estâncias estao nas cidades.
Vou passando entre as dunas, piso de grama, mais empurrando que andando e chego no fim às 17 h.
A barra parece estar fechada, nao sei se há outra mais adiante, onde nao posso ver. Aí já terei entrado nos areais e nao terá mais volta.
Se eu descer aquela lomba em direcao da beira, cruzando areia mole, nao dá mais para voltar. Vou sozinho investigar e analisar minhas chances.
A lagoa é profunda e salgada, nao dá para cruzar como planejara, tenho que seguir pela beira arrastando tudo. Volto pro pelotao e comunico a decisao de seguir em frente.
- Pelotao! Sentido!
- O campo de batalha está aí em frente, quero que lutem como Gaúchos e que arrasem tudo o que encontrarem pela frente, principalmente a prefectura.
- Avancar!
 
E lá vamos nás, estou com o coracao a mil, nao sei se consigo, mas agora é tarde para recuar, que Deus me ajude!
Quem mandou aquele cara do posto dizer que nao dava?
Acho que vou fazer merda, maldito espírito aventureiro!
Atravesso os arenales da descida e chego na beira da lagoa. Sigo em frente mas nao é possível seguir com tudo. Tenho que seguir só com o reboque e depois voltar e pegar a bici.
Assim eu e o Fernando cruzamos o canyon Fortaleza, quando fomos até la´de bicicleta, descemos de cordas por dentro durante 8 dias e voltamos pra Porto, 13 dias depois de sair. Nao tivesse tirado fotos, ninguém acreditaria que fizemos aquilo. O canyon tem uma profundidade de 1000 m( o Taimbezinho tem 300 m) e uns 15 km de extensao.
Enchi o saco de arrastar e voltar, crio coragem e tiro o caiaque do reboque. O problema sao os bancos de areia e o caiaque encalha na água rasa.
Dureza brody, detonei o joelho de novo, gastei 3 longas horas mas consegui chegar na vila de pescadores do outro lado.
Coloco o caiaque no reboque e sigo por uma estradinha de grama. Passo pela vila de pescadores, os caes vem por cima e ninguem chama, ficam só olhando...
Depois eu "furo" um perro de mierda e aí os chifrudos vao reclamar.
O máximo que faco é encarar os cornos com meu olhar assassino, eles sentem o poder do mal e ficam só latindo.
Sigo até chegar numa estradinha de terra e pedras, é chao firme, eu consegui!
Estou feliz demais, detonei o joelho, estou com dores pelo corpo do esforco, mas eu consegui. Superei mais um obstáculo!
- Seu fresco! Já nao estava difícil pelo asfalto? Tinha que complicar ainda mais?
Bueno, há nuvens no horizonte, escurece e nao sei onde vou dormir, nao há árvores por perto e estou longe da city, sao 20 horas.
Sigo mais um pouco e paro sob uma destas arvorezinhas que nascem inclinadas, de acordo com o vento. Fica ao lado das dunas do mar e no meio do campo cheio de tufos de juncos e jararacas, igual aos juncos da praia do Cassino, que usavamos para fazer lutas de "espada"!
Mais ao lado está a laguna de Rocha.
Entra um forte vento que a arvore protege um pouco. Bici e caiaque na frente da porta. Que dia!
 
20-11-05 Domingo, dia 152
Acordo cedo e sigo pela estradinha. É um sobe e desce até que chego numa forte lomba que tenho que subir por partes. Depois como mais um pouco pelo campo onde vi 3 colhereiros cor-de-rosa lindíssimos. Duas horas depois chego de volta ao asfalto. Viro a direita para La Paloma e quando estou descendo a lomba, rebenta a corrente nova que coloquei em Maldonado...
É soda, brody!
Caminho até uma fruteira e o pessoal dali é super simpático. Florência e seus pais, Marla y Roberto querem ajudar, querem me levar de carro, mas nao cabe a bici. Chega Richard que me leva em sua camionete até uma oficina onde a corrente é remendada.
Depois sigo até o farol, como um choripan e venho para um ciber onde estou escrevendo e enviando fotos há exatas 7:40 h. Escureceu, amanha é segunda e aproveito para colocar outra corrente, a 3ª . É melhor que seguir pela estrada com uma remendada. Bueno amigos, como podem ver a peleia é bruta e feia, mas entre mortos e feridos estamos avancando. Ainda tem muita encrenca pela frente, ainda mais da forma que pretendo sair daqui, mas isso é outra estória e conto no próximo capítulo, he, he!
Um baita abraco do amigo
André!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Da Lagoa Mirim a Porto Alegre (Julho 2000)

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27 Nov 2005
O cara é "fera" e valoriza o fator humano. É só observar como faz referências às pessoas que encontra pelo caminho. Parece um "grande louco que tem os pés no chão" com muita determinação e maior como pessoa.
Celso  
             

       

 

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