Enjôo não tem cura. Previna-se!
Claudia Barth*
07 Jul 2005
O
enjôo marítimo, também conhecido como cinetose,
doença do movimento ou náusea do mar é uma situação
muito freqüente a bordo e acomete até os mais experientes
navegadores. É um fenômeno fisiológico, uma reação
natural do organismo às variações rápidas
e constantes de posição. Caracteriza-se por sintomas como
sudorese, palidez, salivação, náuseas, tonturas,
cefaléia (dor de cabeça), fadiga e vômitos. Até
o momento, não existe tratamento definitivo para este problema.
Causas do Enjôo Marítimo
As variações de posição do corpo, quando
navegando, estimulam receptores sensoriais localizados no labirinto
vestibular (localiza-se no ouvido interno e dá a noção
de movimento linear e angular e de orientação no espaço),
nas retinas dos olhos e nos músculos e articulações
(sensibilidade proprioceptiva). Estes dados sensoriais misturados são
enviados ao cerebelo, tronco cerebral e cérebro, que tentam coordená-los.
Estas estruturas procuram fazer os ajustamentos posturais e provocam
a sensação de vertigem.
A conexão destes impulsos
nervosos com o nervo vago é a responsável pelos sintomas
característicos do enjôo marítimo: palidez, sudorese,
salivação, náuseas e vômitos.
Descobriu-se que o medo ou a ansiedade podem baixar o limiar para o
desenvolvimento destes sintomas. Este limiar também pode aumentar,
como, por exemplo, nas situações em que há poucos
tripulantes a bordo. Nestes casos, não há tempo para enjoar,
mesmo com mar agitado, o que reforça o componente psicológico.
Entretanto, alguns indivíduos parecem ser predispostos ao enjôo
desde a infância.
Classificação
Podemos classificar os indivíduos que sofrem de enjôo marítimo
de acordo com o limiar de sensibilidade:
-Indivíduos altamente suscetíveis
ao problema: são os "mareados". O mareado pede para
morrer, fica jogado no chão e, se alguém pisar em cima,
ele nem reclama.
Certa vez, numa travessia de Rio Grande a Florianópolis, um tripulante
do veleiro Orion II ficou mareado por dois dias consecutivos,
sem alívio dos sintomas por um só momento. O infeliz não
agüentava mais aquela tortura, pedia para morrer, queria se jogar
no mar. O Comandante Egon, vendo a gravidade da situação,
não teve dúvidas. Mandou a tripulação amarrá-lo
no mastro da mezena, já que ele era grande e forte. Ficou ali
por um bom tempo, até se acalmar.
-Indivíduos que apresentam
sintomas em condições especiais: são os "nauseados"
ou "enjoados". O nauseado continua trabalhando e em pouco
tempo está bom.
-Indivíduos que apresentam
sintomas somente em situações extremas: são os
"resistentes".
O Comandante Ferrugem conta uma
situação tragicômica em que um tripulante mareado
levou um balde para o beliche, para o caso de alguma emergência.
Não deu outra, teve de usar o balde. O detalhe é que esse
balde não tinha fundo. Era o balde de passar balão, utilizado
como se fosse um cano, para colocar os atilhos que prendem o balão.
Como Prevenir o Enjôo:
A prevenção deve ser feita na véspera do passeio:
-Tentar dormir as horas de sono de que o organismo necessita.
-Não fazer uso de bebidas alcoólicas.
-Evitar gorduras, cafeína e excessos alimentares.
-Nunca embarcar de estômago vazio.
O enjôo deve ser prevenido
antes do aparecimento dos primeiros sintomas. Quando eles aparecem,
pouco pode ser feito. Estes podem ser atenuados com as seguintes "dicas":
-Evitar o interior do barco (cabine). Permanecer no convés, em
local arejado.
-Não deixar a cabeça acompanhar o movimento do barco.
Tentar mantê-la fixa, olhando o horizonte ou outro ponto de referência
que esteja fixo (objeto na costa, outro barco ao longe, etc).
-Manter-se preferencialmente na popa do barco e longe do cheiro de combustível.
Numa embarcação maior, procurar uma área de menor
movimento, geralmente no meio do barco e permanecer no nível
mais baixo possível.
-Evitar esforçar-se exageradamente quando estiver navegando.
Procurar ocupar-se com atividades leves e conversas de bordo.
-Evitar ler as cartas náuticas ou olhar o GPS.
-Evitar o fumo e manter-se longe de quem está fumando.
-Respirar fundo e lentamente.
-Evitar sentir frio.
-Comer bolachas de água e sal e beber água ou coca-cola.
-Aplicar compressas geladas sobre os olhos e no pescoço.
Medicação Contra
Enjôo
A principal ação das drogas usadas na profilaxia e tratamento
do enjôo marítimo é, basicamente, a sedação.
Elas diminuem a atividade do sistema nervoso central (SNC), agindo diretamente
sobre ele, ou diminuindo os impulsos nervosos que chegam até ele.
As drogas de escolha são
os anti-histamínicos, sendo o Dramin o mais usado, na forma de
comprimidos ou injetável. Normalmente é receitado meia
a uma hora antes de entrar no barco e repetido uma hora depois do início
da viagem. Seus efeitos colaterais são sonolência, boca
seca, e, em alguns casos, alterações visuais (visão
turva, diplopia), dentre outros. Seus efeitos variam de indivíduo
para indivíduo e duram de seis a oito horas. A sonolência
em certos casos pode ser benéfica. Em outros, pode provocar acidentes,
pois prejudica a atividade do paciente, tornando sua mente embotada
e diminuindo a atividade reflexa.
Atualmente, está sendo comercializada
livremente na Europa, Estados Unidos, Canadá e Austrália
a meclizina (Meclin), um anti-histamínico que promove menor grau
de sonolência porque atua mais especificamente no labirinto, diminuindo
sua irritabilidade. Seu efeito dura vinte e quatro horas e tem sido
a droga de escolha das grandes companhias de cruzeiros marítimos
internacionais.
Outros medicamentos usados contra
o enjôo são os anticolinérgicos (escopolamina),
a metoclopramida (Plasil) e a ondansetrona (Setronax, Nausedron, Zofran).
O uso da escopolamina é pouco freqüente atualmente, já
a metoclopramida é bastante utilizada. Além de agir diretamente
no SNC, ela relaxa o piloro, acelerando o esvaziamento gástrico.
Sua dose é de 10 mg de seis em seis horas. A ondansetrona diminui
a atividade vagal e também atua a nível de SNC, sendo
mais usada no controle dos enjôos provocados pela quimioterapia
e pós-operatório. A dose usual é de 4 a 8mg de
oito em oito horas. A metoclopramida e a ondansetrona também
são usadas na forma injetável.
IMPORTANTE: Todo medicamento
possui efeitos colaterais. As informações contidas nas
bulas dos medicamentos devem ser lidas com atenção antes
da sua administração. Consulte seu médico sobre
os medicamentos aqui citados.
Curiosidade:
-Tapar um dos olhos pode ser útil. Antigamente, os piratas usavam
este recurso, não por falta de um dos olhos, mas sim para evitar
o enjôo.
Conclusão:
Andar de barco, na maioria das vezes, é um grande prazer, mas
não para quem enjoa. Apesar de todos os progressos da ciência,
ainda não foi encontrado um tratamento verdadeiramente eficaz
contra este mal. Prevenir é ainda o melhor remédio. Para
quem é altamente suscetível ao problema, aqui vai o conselho
do Mestre Geraldo Knippling: "Existe um remédio infalível
e 100% eficaz: basta sentar-se embaixo de uma árvore".
Agradecimentos:
Meus agradecimentos aos Doutores Remo Farina Júnior (Cirurgião
Plástico e Professor de Anatomia da Faculdade de Medicina da
PUCRS) e José Antônio Trindade (Anestesista) e aos Comandantes
Geraldo Knippling, Eduardo Hofmeister "Ferrugem" e Danilo
Chagas Ribeiro, que, com suas contribuições, ajudaram
na elaboração deste trabalho.
___________
(*) A Dra. Claudia Barth, cirurgiã
plástica, é Capitão
Am. De família com tradição marinheira, é
associada ao Veleiros do Sul, Porto Alegre. Outros artigos de Claudia:
Hipotermia a bordo
Encalhando
nas pedras. Ou, rasgando o balão na chuva
Comentários recebidos
07 Jul 05
Carlos Altmayer Gonçalves Manotaço
Não sei quem é o autor, mas creio ser a melhor descrição
do "mareio":
- "No primeiro dia em que você está mareado, você
chora porque cre que morrerá; do segundo dia em diante, você
chora porque já se deu conta que NÃO MORRERÁ, e
terá que sobreviver até o barco chegar a algum porto".
25 Jan 2010
rafaela
Que horror! Vou viajar e precisarei andar de barco por 2hs; espero não enjoar.
1º Mar 2010
Neusa barberini
Em minha primeira viagem náutica, não enjoei, adorei...
O navio era grande.
Na segunda, queria ficar no primeiro porto e voltar de ônibus, o navio era bem menor.
Agora vou num bem maior, depois eu conto o que acontecerá...espero não enjoar... é horrível.
03 Mar 2010
Rodrigo
Olá, muito bom o texto. Trabalho embarcado em uma embarcação que dá apoio à plataformas na Bacia de Campos. Realmente o mareio acaba temporariamente com a vontade de "viver" da pessoa, mas nada que depois de dois dias não passe.
05 Mar 2010
nair
bom artigo |