De Belém a Salvador
Navegando 1.500 milhas no Nordeste brasileiro
Átila Böhm
Parte 3: Jericoacoara a Salvador Partimos de Jericoacoara, Ceará, pela manhã. Soprava um vento SE fraco que aos poucos foi rondando para Leste. O meu GPS definitivamente parou de funcionar. Há tempos ele mandava recados de que algo estava errado com a bateria interna. Na saída de Jericoacora eu liguei o danado e nada aconteceu. O GPS que o Roy (dono do barco) deixou como reserva era um modelo antigo e sem cabo para isqueiro que, além de demorar muito para receber o sinal, tinha alto consumo de pilhas. Não demorou muito para ficarmos sem pilhas para o GPS. Em Fortaleza (foto ao lado) atracamos na Marina Park Hotel para providenciarmos a recarga da bateria do barco e para comprarmos muitas pilhas para o GPS. Partimos à tarde com vento Nordeste. Fizemos um bordo curto para fora e um longo para a praia. Estávamos no través do Beach Park de Fortaleza. Já estava escuro e podíamos ver as luzes do complexo turístico. Coincidentemente há um ano atrás, passei muito perto desta mesma posição, na mesma hora e no mesmo rumo. Lembrei disto porque anotei a posição e a hora na carta náutica. Passadas 24 horas de Fortaleza o vento rondou para SE e no final da tarde atingia uns 25 nós. Realizamos uma manobra que chamávamos de “Capinha”, que consistia em baixar a genoa, amarrar o leme no centro, deixar a vela grande aberta a uns 30º, jantar e dormir. O vento geralmente acalmava de madrugada, então voltávamos a navegar no vento terral. Esta manobra foi muito importante para preservarmos o barco e as velas. O catamarã, ao contrário do monocasco que descarrega o vento por estar inclinado, fica em pé e a energia reverte em velocidade resultando em mais vento aparente e a impactos fortíssimos contra as ondas. As primeiras vezes que fizemos a “Capinha” foi em lugares sem obstáculos, e estávamos próximo à costa. Simplesmente virávamos de bordo para fora (mar). Neste dia navegávamos perto de Areia Branca, no litoral do Rio Grande do Norte, às 15:00 h, quando o vento começou a aumentar e rizamos a vela grande. No final da tarde, quando o vento ficou ainda mais forte, eu creio que entre 25 e 30 nós, fizemos a “Capinha”, depois de passar pela Plataforma TERMISA, que tem certamente mais de 150m de lado. Vimos as pirâmides de sal em cima da plataforma, onde navios de pequeno porte descarregam sal e os de grande porte o embarcam. Isto em mar aberto, a 6mn da costa! O rumo da deriva era para N / NW o que nos levava direto para o recife João da Cunha (veja na carta em anexo). Soltei mais a vela grande para tentar o rumo de deriva mais para NW. Funcionou e passamos por sotavento do recife. Mas não foi possível dormir: a carta da região não mostra as bóias cegas de demarcação do canal de acesso para o terminal. onde tivemos de cruzar o canal na nossa deriva. Esta perna foi difícil. Foram quatro dias de Fortaleza a Galinhos (veja embarcação à vela ao lado em Galinhos). No primeiro dia fizemos 60 mn, no segundo 35 mn, no terceiro 40 mn e no quarto dia fizemos 25 mn em 18h. Uma tarde de descanso em Galinhos (Rio Grande do Norte) e já esquecemos de tudo, estávamos prontos para partir novamente, mas antes tínhamos que fazer uma boa limpeza no barco, lavar roupas, abastecer de água e comprar pilhas. Muitas, pois o GPS é um guloso e na próxima etapa teríamos de enfrentar o Cabo Calcanhar, a curva do Brasil. Saímos com um bom terral, vento sul, rumo direto, maravilha que acabou ao meio dia. Às seis da tarde estávamos novamente em “Capinha”, em frente à Praia do Marco, mais precisamente em frente à casa de veraneio do Nelson e Lúcia do Veleiro Avoante, amigos do Iate Clube de Natal. Pouco antes do amanhecer o vento acalmou, virou para o Sul, avançamos rápido até o través do Cabo Calcanhar. Na passagem pelo farol imponente que marca o Cabo Calcanhar, comemoramos o privilégio de ver a curva do Brasil, vindo ao contrário, como subir uma escada rolante que desce. Até para ficar no mesmo lugar tem que lutar. Fizemos uma breve parada em Natal para reforçar o punho da vela grande. O Nelson e a Lúcia nos levaram para jantar em um restaurante especializado em carne de sol. Deixamos o Rio Potengí e esperávamos a tão sonhada lomba abaixo (vento a favor). Navegamos a manhã toda contra o vento para chegarmos na baía da Ponta Negra. Surge a idéia de pararmos para almoçar. Foi bom porque depois do almoço o vento rondou para SE. Bordo curto para fora e longo para a praia. Tem que ter paciência até chegar ao Cabo Bacopari, onde o vento ronda para Leste. Às 18:20h do dia que antecedia a chegada em Maceió ficamos sem energia elétrica. Estávamos próximos à costa na divisa de Pernambuco com Alagoas. A noite estava linda e clara, o mar praticamente sem ondas, tudo para ser perfeito, mas no entanto, estávamos tensos por navegar sem luzes de navegação. As lanternas de bordo não queriam funcionar, estavam oxidadas. Na Ilha de Lençóis, lá no Maranhão, comprei um Fifó (lampião), que funciona com diesel. Paguei R$ 2,50, com combustível (foto ao lado). Usamos o Fifó para fazer a navegação e a luz que saía pelas vigias serviam para avisar a nossa presença para os pescadores. Em Maceió descobrimos que os fios que ligam o painel solar às baterias tinham uma emenda que estava totalmente oxidada. A partir deste momento não tivemos mais problemas de carga baixa na bateria. Chegamos em Salvador pela manhã do dia 27 de janeiro de 2006 após 51 dias, dos quais 22 velejando e 29 ancorados ou atracados. O Aruã é um catamarã projetado e construído pelo Seu Manelis no Maranhão, não o conheço pessoalmente, mas após ter velejado por mais de 900 milhas em contravento (equivalente a BsAs-Santos), sou testemunha da boa qualidade do projeto e da construção. O barco é leve e muito resistente. Tivemos o problema com a travessa de proa, a original é encaixada pela borda, foi substituída por uma aplicada ao convés, tornando muito difícil a vedação. O motor de popa Suzuki de 30 hp praticamente não foi usado, devido ao alto consumo. E com as ondas o hélice saía da água. CATAMARÃ ARUÃ
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