Erros em cartas náuticas
Nunca confie totalmente nas cartas
Danilo Chagas Ribeiro

Ponta de Porto Belo, SC - Fev 2006
Navegamos com o veleiro Canibal por águas catarinenses, cheios de cuidados. O litoral na região navegada é bem recortado e tem muitas pedras, algumas submersas. Não navegamos à noite, salvo em duas ocasiões na baía de Porto Belo, a motor e bem devagar. À toda hora eu estava com um olho na carta do GPS ou
nas cartas impressas disponíveis.

Um pouco ao sul da Ponta de Porto Belo, uma pedra avistada em direção a alto-mar me chamou a atenção. Era de bom tamanho e não aparecia na carta do GPS. Conferindo com a carta 1902 da Marinha, observei que a tal pedra não constava lá também. Marquei um waypoint.

Já em casa, verifiquei os dados do percurso (track no Ozi Explorer) e as fotos. Observei que nos horários registrados pela câmera nas fotos da pedra, estávamos navegando a menos de uma milha dela. Confirmei assim que a pedra não consta da carta 1902. A pedra localiza-se a sudeste da Ponta de Porto Belo aproximadamente, quase no alinhamento desta com a Ponta das Garoupas, mas bem mais próxima à Ponta de Porto Belo, em frente à Praia de Bombas.

A pedra é de porte tal que qualquer um a vê, creio que com qualquer maré, mas de dia e com bom tempo. Veja a foto e a carta abaixo. Falando depois por telefone com o Comandante Álvaro Fonseca, que já passou por ali inúmeras vezes e já mergulhou em volta daquela pedra também, mostrou-se surpreso com a falta de sinalização na carta náutica. Considerando o volume da pedra fora d'água, o erro cartográfico pode levar um navegador a um acidente seríssimo.


O barco pesqueiro é mostrado aqui como referência ao tamanho da pedra

 

Parece que algo foi construído sobre a pedra.

 

A costa é mostrada aqui como uma referência à posição da pedra (bem à direita na foto)

A Marinha do Brasil e os erros nas cartas
Que não se julgue a qualidade dos serviços de cartografia da Marinha pelos poucos erros encontrados nas cartas náuticas. Sempre com verbas escassas, estão sem atualizar substancialmente as cartas, há décadas. A batimetria utilizada na carta 2200 (Lagoa Mirim), por exemplo, é de 1911. É quase secular!

Mas as velhas cartas têm servido, e muito bem. Com o advento do GPS, sequer imaginável quando as cartas foram feitas, passou-se a detectar mais e mais imperfeições nas cartas náuticas. É preciso que, de alguma forma, a Marinha reveja todas as cartas náuticas do Brasil.

Não é só aqui que isso acontece...
Um submarino atômico dos EUA sofreu um sério acidente no Pacífico, em janeiro do ano passado, por uma omissão na carta de 1989 que utilizavam. O USS San Francisco abalroou uma montanha submersa que chegava a 100 pés da superfície. A elevação era conhecida desde 1999, mas não constava nas cartas. Saiba mais.

Alta positividade, baixa negatividade
Se algo aparece na carta, certamente existe. Pode não estar na localização correta, pode ter sido mal dimensionado, mas deve existir. Há exceções, claro, como ilhas que tornaram-se baixios, restos de naufrágios consumidos pelo tempo, trapiches demolidos, e chaminés notáveis que não existem mais, dentre outros sumiços. É lastimável que, pela falta de manutenção, alguns faróis deixem de existir dentro de algum tempo, como o Cristóvão Pereira. Contudo, considerando o enorme volume de informações das cartas, de um modo geral, eu diria que as cartas têm alta positividade.

A carta não é tudo para navegar
O fato de algo não constar nas cartas, no entanto, não garante sua inexistência, obviamente, como demonstrado nos casos acima. Aí começa o importante trabalho do navegador, em terra, para saber dos truques da navegação na região. Obter informações com veteranos é muito importante. Veja a passagem entre o continente e a Ilha do Amendoim, aí ao lado, e responda se dá para passar por ali com um Delta36, com segurança. Deve ser mais bonito por ali do que passar por fora da ilha. Vai arriscar?

Com a carta náutica sobre a mesa do bar do Iate Clube de Santa Catarina, na véspera da partida, o Comte Celso Alves me passou várias dicas de navegação. Dentre elas, garantiu que dava pra passar por dentro da ilha. Sem a informação dele, não teríamos passado.

Ter a bordo os telefones de pessoas que eventualmente poderão ajudar é precioso. Liguei algumas vezes ao experiente Comandante Álvaro Fonseca em busca de informações de última hora. A coleta de waypoints da região, antes de partir, é igualmente valiosa. Isso pode ser feito em clubes náuticos, em grupos na Internet e em sites. Com o uso de programas de navegação, como o Ozi Explorer, pode-se preparar rotas em casa, facilmente (nada que não se possa fazer com uma carta impressa também). A rota do ICSC até Porto Belo foi feita no Ozi Explorer, em casa. Os waypoints da rota foram passados ao GPS, por cabo, ainda em casa.

Navegação com Coca-Cola
É desejável que o navegador trabalhe com antecipação. Ao chegar a um destino qualquer, deverá estar "já com tudo pronto na cabeça", aí incluída a imaginação da vista que terá na aproximação do local, para logo orientar-se. O Mestre Geraldo Knippling apresenta em suas obras sobre o Guaíba e a Lagoa dos Patos, um desenho com o horizonte que será visto na aproximação dos destinos indicados.

O navegador tem que conferir os cálculos, e ser caprichoso, minucioso, precavido e cético. E navegação se faz com Coca-Cola, e não com cerveja. Talvez o navegador seja o tripulante de maior responsabilidade a bordo. Seus erros podem ter uma conseqüência muito séria. Um desastre com uma flotilha de destróieres americanos, contado pelo Comandante Augusto Chagas, ilustra bem a importância do navegador.

Há muito a considerar sobre segurança na navegação. E uma delas é não dispensar as velhas cartas náuticas por causa do uso do GPS. Felipe Loss, o Susto, o experiente velejador que navegou do Chuí a Salvador em 2005 em um pequeno veleiro, tinha dois GPS a bordo e, de repente, viu-se sem nenhum deles, sob mau tempo.

Datum
Observa-se problemas também nas cartas náuticas, com o datum empregado em algumas regiões. Datum é um sistema de referência sobre o qual são calculadas as coordenadas (Lat & Long). As cartas do Rio Guaíba utilizam o datum Capitania Astronômica, um arremedo do Córrego Alegre, o datum oficial do Brasil. Verifiquei que as correções sugeridas em um quadro nas cartas da Marinha, em função de leitura por GPS em datum diferente daquele constante da carta, apresentam sérias discrepâncias, especialmente na carta 2109, Da Ponta Grossa a Porto Alegre. Salvo melhor juízo, é preferível ignorar a correção sugerida do que considerá-la, mesmo que parcialmente. Isto refere-se à leitura de coordenadas no GPS, no datum WGS-84, para plotar um ponto na carta com o datum Capitania Astronômica (credo!...), e vice-versa. O WGS-84 é o datum mais usado mundialmente, por conta da influência do Tio Sam, o inventor do GPS.

Pedras no meio da praia
A propósito das pedras não mapeadas, aprendi com um velejador veterano, meu amigo, que se deve entrar em uma praia desconhecida, sempre pelo meio, porque as pedras submersas geralmente estão nas extremidades das praias. Assim tenho observado e confirmado em todas as praias que entrei desde então. Mas lá em Santa Catarina vi pedras enormes bem no meio de duas praias visitadas.

 

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