Estrela, Taquari acima
Parte 1 - Subindo o rio Anos 30 A proa vinha tapada
de lenha para dar conta dos 142km rio abaixo. Os marinheiros circulavam
com carrinhos de mão para abastecer a caldeira. A propulsão
era pelas rodas laterais, como as de moinho. A bicicleta vinha acorrentada
para não ser desembarcada nos diversos pontos de parada pelo
rio Taquari.
Uma navegada diferente Desatracamos às 9:30h do Veleiros do Sul, sob garoa que enganou os meteorologistas. O dia estava completamente nublado e frio. O limpador do parabrisa funcionou até o final da manhã. No começo do passeio uma súbita redução de velocidade nos fez pensar que seria uma pane. Foi acentuada, mas muito curta, instantânea. Poderia ter sido também uma rede nos hélices. Tínhamos a bordo algumas informações sobre as eclusas, foto de satélite do Taquari editada e legendada para o passeio, o mapa do Jacuí e Delta, e ainda o mapa rodoviário com as cidades da região. A 30 milhas a oeste
de P. Alegre pelo rio Jacuí, está a cidade de Triunfo.
É ali que desemboca o rio Taquari, um afluente de categoria,
com uns 200m de largura na foz. Nosso destino, Estrela, está
a 43 milhas de Triunfo. E é ali que tem uma ilha que foi palco
de batalha Farroupilha. Em seguida passamos por General Câmara e logo mais por Taquari, a terra do Adroaldo. Há ali uma instalação que tritura madeira. As barcaças a levam até Rio Grande onde, repassada a grandes navios, é processada durante a viagem chegando sob a forma de chapas nos países de destino. O Taquari tem uma largura média de uns 100m. O canal tem 30m de largura e está sinalizado através de bóias cegas com película refletiva. Nas curvas a largura do rio é bem menor, tendo-se percebido acentuada correnteza. Para um veleiro subir o Taquari, deve-se dispor de uns 3 ou 4 dias e de um bom motor, mesmo em época de águas baixas, como agora em Junho. A declividade do rio é baixa (0,9 cm/km). No Jacuí, entre Triunfo e P. Alegre, é 0,7, e entre Dom Marco e Amarópolis, 1,3. O
leito é de seixo rolado. Em alguns pontos das margens há
grande quantidade dessas pedras. A embarcação padrão no Taquari tem aproximadamente 90m de comprimento, 15m de boca, calando 2,50m e com capacidade de carga da ordem de 2.500t. A
bonita ponte ferroviária na Volta do Barreto, toda em aço,
parece ser daquelas importadas da Inglaterra, como a do Ibicuí.
Em Mariante, passamos sob a ponte alta da BR-287, de concreto armado, que liga Taquari a V. Aires. Nas margens do rio
há atividade agrícola. Um navegante colhia milho de uma
plantação, enquanto a acompanhante o aguardava a bordo
do ceboleiro. Meu pai comenta que nos anos 30 o vapor que vinha de Estrela parava onde houvesse uma fogueira acesa. Era o sinal de que haviam passageiros ou carga para embarcar.
A grande influência religiosa na região está à vista de quem navega pelo Taquari. Protestantes e católicos dividem suas crenças. A região do
Taquari é bucólica, principalmente mais lá para
cima, entre Bom Retiro e Estrela. Pane Marinheiros de primeira eclusada. A passagem pela eclusa foi atrapalhada, mas não deixou de ser divertida. Nossas trapalhadas na eclusa estão relatadas em capítulo à parte. A espera pelo mecânico Logo
que passamos a eclusa, atracamos em uma barca. Na margem a cachorrada
latia estranhando nossa presença. Fizemos várias ligações telefônicas. Por fim descobriu-se um mecânico disponível em Lajeado. Nosso endereço era "Porto do Bicho", um pequeno porto de areia na margem esquerda do Taquari, a uns 100m a montante da barragem de Bom Retiro, atracados no contrabordo de uma barca de areia. Enquanto esperávamos, o Joel nos brindava com suas histórias. O "Baita Macho", barco que ele teve, era o cenário da maioria delas. Três horas depois de termos atracado chegaram os mecânicos. Em 1 minuto localizaram um mau contato no conector da bomba injetora e outro no motor de partida. Fizeram questão de dar uma volta na lancha "para testar" o conserto (R$65). Às 17:15h,
15 minutos antes do horário do pôr-do-sol, deixamos os
mecânicos em terra e seguimos para Estrela. Apreciando a tarde
que findava eu pensava naqueles velhos vapores. Navegavam por aquele
rio na escuridão da noite, sem sinalização, sem
rádio, sem instrumentos. Com correnteza, com chuva. O porto de Estrela fica a montante da cidade. Era noite. O rio estava a uns 5m abaixo do nível do porto. Seria difícil desembarcar em caso de necessidade. Atracamos no contrabordo da "Chata Fandango", uma casa flutuante da concessionária do porto, habitada por uma família. O Telmo sabe tudo sobre o Taquari. Cada um avisou sua
família da pane. Tínhamos um álibi legítimo
para esticar o passeio. Demo-nos
conta de que estávamos sem mantimentos para o dia seguinte. Muito
atilado, o Adroaldo ligou para o 102 e pediu o telefone de uma operadora
de ponto de taxi. O sotaque na região não nega a colonização
alemã: "A curia que atendeu o telefone lá im Laxiado
me tisse que era pra eu fim aqui trasser isso pra vocês".
Com
uma notável habilidade de narração e uma memória
incrível, Joel nos proporcionou momentos inesquecíveis
naquela noite, fazendo-nos rir muito das divertidas histórias
dele a bordo do "Baita Macho". |