Destino: La Charqueada (Parte III)
Uma navegada de 600 milhas por 6 vias fluviais até o interior do Uruguai
Texto e imagens: Danilo Chagas Ribeiro

De Jaguarão a Porto Alegre
No final de semana seguinte, o terceiro da jornada a La Charqueada, infelizmente o comandante da Aline não pode nos acompanhar. Este seria o quinto final de semana consecutivo do Adroaldo a bordo da Aline, depois de Triunfo, Estrela, Pelotas e Cebollatí.
Também não puderam vir nossos dois navegadores, o Chaguinhas e o Otaviano.

Na Sexta-feira, 27 de junho, o velejador Alexandre Rimoli e o mecânico Silvio embarcaram em P. Alegre comigo e o Joel rumo a Jaguarão. Passamos sobre o vão móvel da Travessia do Guaíba às 20h e chegamos a Jaguarão à meia-noite. A van do comandante percorreu 380km contra as 245mn navegadas pela Aline para o mesmo destino.

Conversamos com alguns velejadores do Iate Clube Jaguarão que estavam churrasqueando por lá. O Alexandre voltou à cidade com o motorista do comandante para comprar gelo. Quase 1 hora depois, estávamos com a lancha carregada.

Tripulação entusiasmada
Encorajados pela cochilada na vinda, o Silvio e o Joel se atracaram na manutenção dos motores da Aline logo que embarcaram.

O mecânico foi até lá a pedido do cmte para checar o rendimento dos motores.

Enquanto isso o Alexandre verificou o painel da lancha e foi pra cama ver TV. Parece que estava adivinhando que no dia seguinte "o bicho ia pegar".

Instalei e configurei a parafernália de navegação. Na verdade é só o notebook e o GPS, mas para isso funcionar, precisa-se ao todo de quase uma dúzia de pequenos acessórios, como extensão e "T" para a conexão com a tomada do isqueiro, fonte de alimentação do notebook ligado ao inversor da lancha, cabo especial para alimentar e comunicar o GPS com o computador, etc. Aliás, comprovou-se logo após a viagem que o notebook Compaq é bem resistente, salvo a esforços de compressão por pneu. Enfim, nada é perfeito.

O GPS foi configurado e resetado: a função Moving Map do Ozi, que permite ver o barco sobre a carta, só funciona no modo NMEA OUT. Quem nos deu esta barbada foi o Plínio Fasolo/VDS, na vinda. Valeu! Carreguei a carta do Jaguarão. O sistema passou a plotar a Aline sobre a carta. Estava tudo funcionando perfeitamente. Não iria conseguir dormir sem conferir isso. Instalei a antena externa do celular que o Joel trouxe para usarmos na Mirim. Passava das 2 da madrugada quando fomos todos dormir.

Desatracamos às 8:40h. O dia amanheceu nublado mas feio não estava, como se nota aí ao lado.

Descemos o rio Jaguarão seguindo o canal demarcado pelo Adriel. Foi que nem mamão com mel.

A Mirim está cheia de mangrulhos, ou "mesas". São trilhos de aço cravados na lagoa com o objetivo de sinalizar baixios e canais. Com as águas altas, alguns deles podem não ser vistos. Com onda e chuva é pior. O tôpo dos mangrulhos próximos da foz do Jaguarão estavam a 1 metro acima do nível da água. Passamos próximo a eles, avistando-os, como na vinda. Quanto aos demais, fizemos uma navegação bem longe deles.

Um mangrulho submerso pode ser mais perigoso do que o baixio que sinaliza. É angustiante navegar nas proximidades de um perigo tão grande, pontual e invisível.

Com as águas altas foi preferível passar longe, expondo-se levemente a um baixio, do que abalroar essa encrenca.

Como não vimos os outros mangrulhos na vinda, desta vez fiz uma navegação para passar a umas 3mn deles (o erro pela diferença de DATUM_GPS x DATUM_carta é de 1,2mn na direção E-W).

Iniciamos a descida pela Mirim com brisa suave de SW, a favor portanto. Deu vontade de conhecer mais esta lagoa. De passar mais perto do farol da Ponta Alegre, de entrar nos arroios, de conhecer as margens da lagoa. Ficou para uma próxima visita.

Durante a navegação pelo São Gonçalo decidimos tocar até P. Alegre, em vez de pernoitar em Pelotas, conforme o planejado.

Ao pararmos na eclusa do São Gonçalo, ligamos ao Delci, dono de um posto de abastecimento de Pelotas, solicitando o reabastecimento da Aline.

O comandante já havia arranjado tudo com ele.

Ao lado, a aplicação de efeito digital sobre foto de árvore à beira do canal S. Gonçalo.

 

 

A eclusa estava cheia de aguapés miúdos.

Quando chegamos ao Saldanha da Gama o dono do posto estava nos esperando com 400 litros de diesel e uma bomba elétrica para o abastecimento. Na meia hora que durou a operação pedi a 2 navegadores veteranos que encontrei no clube uma previsão sobre o vento. Ambos disseram que a tendência era de continuar aquele mesmo vento, quase uma brisa, no decorrer da noite. Isso confirmava a previsão da véspera da partida para Jaguarão, e era a luz verde ratificando a decisão de navegar à noite pela Lagoa dos Patos.

"Se atravessando" na Lagoa
Verifiquei que o pôr-do-sol se daria no farolete do Vitoriano.
A maior parte da navegação pela Lagoa dos Patos seria noturna.

Aproximadamente uma hora após o anoitecer o vento aumentou. As ondas começaram a surgir pela popa, mais para 3/4 (Alheta).

O parabrisa começou a molhar pela água das ondas que subia e o limpador foi acionado.

O Alexandre deixou de trovar. Era timão prum lado e pro outro o tempo todo.

 

A luz da tela do notebook começou a incomodar ao se procurar identificar os faroletes e as luzes dos navios pelo caminho.

Só mais tarde me lembrei da opção night vision do Ozi. Nela, todas as cores são apresentadas em tom de vermelho, a cor que menos sensibiliza a retina e que portanto permite a dilatação mais rápida ao se olhar para locais escuros novamente.

A iluminação do tombadilho do navio-veleiro Cisne Branco, onde está a mesa de navegação, é vermelha também.
Este programa é mesmo sensacional.


O radar de bordo funcionava bem para curtas distâncias, mas para ranges maiores do que 3 milhas, a identificação era melhor quando os alvos estavam à ré. Creio que isso se deve ao fato da lancha estar navegando com a proa muito levantada.

Aí pelas 9 da noite a lancha passou a "se atravessar" muito pela ação das ondas. Dava umas atravessadas de mais de 30º. O Alexandre pagou todos os pecados para manter a Aline mais ou menos no rumo.

Mais tarde, no jantar, ele nos contou de um deles. Certamente foi o responsável pelo sofrimento que teve.
Foi o seguinte: tempo desses o Alexandre estava a bordo do barco dele, atracado no Veleiros, à noite. Aí...
Bem, essa história vai ficar para uma outra ocasião porque é comprida e meio complicada.

Passamos umas 3 horas com certo desconforto até cruzarmos o Farol de Itapuã que, diga-se de passagem, estava apagado.

. "Dedo-duro"
Observando-se a linha trêmula do track da Aline na figura abaixo, pode-se ter uma idéia de como foi difícil para o timoneiro esta navegada noturna pela lagoa.

Apenas para se estabelecer uma comparação, veja o track no Guaíba, quase sem vento, na figura abaixo. A linha (percurso) é firme.

 


Na subida das ondas a velocidade caía abaixo de 10 nós com significativa queda de giro dos motores, voltando até 17 nós nas descidas. Estes dados foram gravados pelo GPS (track) e passados para o computador. Knots= velocidade; Hdg= proa (em graus)
O programa Ozi Explorer lê estes dados e plota o gráfico sobre a carta da região. Além disso, tabula os dados do percurso, dando várias informações relativas a cada ponto. Além destas aí acima, fornece as coordenadas e a altitude de cada ponto. Nosso percurso teve quase 2.000 pontos identificados.
Faz lembrar os tacógrafos utilizados em ônibus e caminhões, conhecidos por "dedo-duro".

Não medimos o vento, mas com a lancha a 17nós (pelo GPS), a fumaça do cigarro expelida pela janela de sotavento saía para a frente, aparecendo esverdeada, mais para a proa, iluminada pela luz de navegação no topo da cabine. Era um ventinho bem mais ou menos. Talvez uns 20 nós.

Que nem árvore de natal
Os navios de grande porte não podem mais navegar à noite pelo Guaíba.
As luzes fortes de um navio grande fundeado próximo ao farol de Itapuã à espera do clarear do dia foram uma boa referência visual enquanto navegamos pela lagoa.
Já mais perto do farol apagado, as bóias do canal de aproximação do farol de Itapuã piscavam como árvore de natal. Eram várias bóias, verdes e vermelhas, piscando aleatoriamente. Também haviam bóias cegas que não estavam na carta digitalizada e das quais passamos perto demais.

Jantar e sossego

Pensamos em um abrigo atrás da Ponta da Fortaleza para o jantar. Depois resolvemos ir até a ilha Chico Manoel, e acabamos por fundear na Ponta dos Coatís.
Estar de volta ao Guaíba, vindo da lagoa, é como estar "em casa".

O Joel mais uma vez deixou a tripulação mal acostumada. Abriu um vinho muito bom, serviu filé xadrez de aperitivo e assou uma lasanha espetacular. Mereceu foto.

O Alexandre botou uma musiquinha para relaxar. Havia ficado horas grudado ao timão, sem sossego a noite toda.

O jantar foi breve. Em seguida suspendi os ferros e seguimos viagem.

 

Chegamos ao Veleiros do Sul à 1h da manhã, onde um DJ tocava um som muito legal na festa de Queijos & Vinhos.

Havíamos navegado 245 milhas em 16 horas, passando por 5 vias fluviais: rio Jaguarão, Lagoa Mirim, Canal São Gonçalo, Lagoa dos Patos e Guaíba.



Navegamos bastante.

Foram 3 finais de semana consecutivos, incluindo um feriadão.
Mais de 600 milhas navegadas.

Guaíba, Lagoa dos Patos, Canal São Gonçalo, Lagoa Mirim, Rio Jaguarão e Rio Cebollatí.
Sem panes, sem acidentes, sem brigas.

Um passeio animado, divertido, inesquecível. Conhecemos novas paisagens. Fizemos amigos. Ficamos mais experientes.

Navegamos o Cebollatí dourado.
Convivemos.

 


Dados Diversos da Navegada

Embarcação:

Aline - Lancha Carbras Mar 32 (9,7m). Acomodação p/5pessoas. Dois motores 170HP diesel c/intercooler. GPS-plotter, radar, computador p/navegação digital. Bote inflável c/motor de popa.

Tripulação:

Adroaldo Costa - comandante (poa-pel-jag-LCh-jag)
Joel Schröder - imediato, cozinheiro, mecânico, proeiro, animador da tripulação (poa-pel-jag-LCh-jag-poa)
Augusto Chagas - navegador (poa-pel-jag-LCh-jag)
Otaviano Costa - novo navegador (pel-jag-LCh-jag)
Alexandre Rimoli - topa qualquer parada (jag-poa)
Silvio - mecânico (jag-poa)
Danilo Chagas Ribeiro - navegador, fotógrafo e proeiro (se não tiver foto pra fazer) (poa-pel-jag-LCh-jag-poa)

Consumos:

1.900 litros de diesel; centenas de risadas e dezenas de gargalhadas; 2 cx de vinho e várias de cerveja; 500 fotografias; 2 cx de charuto; 3 cx de Coca light; dezenas de histórias; muitas lasanhas, picanhas e outras comilanças mais; muita conversa; 2 bujõezinhos de gás (a comilança que o Joel prepara traz muita despesa com gás para o forno).

Perdas:

Vários capítulos de novela da Globo (argh!); festas barulhentas de aniversário de criança; idas a shopping centers; 3 missas de domingo; diversos jornais com as últimas notícias dos crimes e dos problemas políticos e econômicos; outras perdas.

Ganhos:

Depois de todo o dito, precisa dizer mais?

Datas e distâncias:


Trecho
Data da partida
Distância (mn)
Águas navegadas
P. Alegre - Pelotas
14/6/03
144
Guaíba, L. dos Patos
Pelotas - Arroio Grande
19/6/03
51
Canal S. Gonçalo, Lagoa Mirim
Arroio Grande - Jaguarão
20/6/03
50
L.Mirim, Rio Jaguarão
Jaguarão - La Charqueada
21/6/03
73
STotal 318mn
R. Jaguarão, L. Mirim, R. Cebollatí
La Charqueada - Jaguarão
22/6/03
73
R. Cebollatí, L. Mirim, R. Jaguarão
Jaguarão - Porto Alegre
28/6/03
240
Total = 631mn = 1.169km
R. Jaguarão, L. Mirim, Canal S. Gonçalo, L. Patos, Guaíba



Fontes consultadas: Cartas digitais, por Adriel Wailler; "Lagoa Mirim, um paraíso ecológico", de Décio Vaz Emygdio (Livraria Café Pelotas, 6ª edição).

Agradecimentos: Veleiros Saldanha da Gama; Iate Clube Jaguarão, especialmente o velejador Roberto Couto; Armada Uruguaya.

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