Batepapo
Memórias do Comandante Augusto Chagas
10 Fev 2017
Em
1945, quando terminei de fazer um veleiro Classe Pinto, nos fundos da nossa casa na Rua do Arvoredo (foto ao lado), fiquei sabendo que havia um "clube" na Av. Praia de Belas esquina da Rua Lopo Gonçalves, hoje esta esquina foi cortada pela Avenida Érico Veríssimo.
Antes de por o barco n'água fui lá saber como poderia entrar de sócio. O clube se resumia na peça da frente de uma casa que tinha só uma janela para a rua e uma entrada ao lado. A casa não ficava bem na esquina mas do lado de um terreno baldio com uma grande figueira, embaixo da qual o pessoal fazia os reparos e pintura nos barcos. Este clube tinha sido criado pelos proprietários de barcos da vizinhança, que normalmente deixavam os mesmos ancorados na praia ou no meio dos juncos. A sede era apenas uma sala onde se guardavam as velas e a matalotagem dos barcos.
O clube só tinha sócios, não tinha comodoria, mas funcionava bem com o compromisso de todos pagarem as despesas e respeitarem os pertences dos outros, e principalmente não beber a cachaça alheia. Na parede havia um quadro negro onde eram apontadas as despesas, normalmente só o aluguel, que no fim do mês era dividido pelos sócios que depositavam sua quota numa caixa de charutos que ficava em baixo.
Falando com um sócio, recebi uma chave e passei a integrar o clube, tudo na simplicidade das coisas que funcionam.
Meu barco, o IPONÁ, ficava ancorado no meio do junco e nunca tive problema nenhum durante o tempo que fui sócio, e que durou até que vendi o mesmo.
Naquela época, normalmente os proprietários de barco eram os construtores dos mesmos, principalmente pessoas de menos posses. Para se ter uma ideia, o melhor barco era do Nei, que era cabo do exército. O barco, o Corsário, era um pouco menor que um Sharpie 12m, mas com um pouco mais de boca. Vela carangueja e naquela época, como todas, de algodão. O Nei contava com muito orgulho que havia feito uma regatinha contra um Sharpie do Iate Clube Guaíba e andado mais que ele. Neste barco ele com um companheiro foram a Rio Grande com todas as peripécias cabíveis numa empreitada destas. Barco sem cabine, aliás como todos os barcos do clube, cozinhando num fogareiro a carvão e pelo que lembro comendo quase só feijão.
Nessa mesma época, Leopoldo Geyer também tinha ido a rio Grande com um barco Classe Jangadeiros mas acompanhado por um barco maior.
Acho que o maior barco de todos era o CM, feito pelo Crispim M. que era funcionário da CEEE e que, dizem, havia embebido as tábuas todas em óleo de transformadores. Este barco foi vendido depois para a turma do GungaDin no ICG que colocaram uma cabine e batizaram com o nome de Mandarim, que mais tarde foi vendido para o Aiú, pai do Astélio, dando origem ao Tornado, o barco que ganhava todas as regatas menos as que roubavam dele.
Outros barcos que lembro eram o Tio Sam, do Belmonte, funcionário da Capitania dos Portos, o Asteca, um Classe Pinto que tinha sido encompridado pelo Lincoln Castro. O Neptuno do Hiram Guimarães, um pouco menor que um Snipe. Haviam outros veleiros e alguns caíques a remo que o pessoal usava para pescar.
Tinha uma baleeirazinha feita por um espanhol, na qual remávamos até a ilha das Balseiras para buscar lenha. Hoje penso no esforço que deveria ser esta viajada da qual só me lembro do prazer de estar no meio do rio remando num barco tão bem feito.
Este clube, como tantos outros, desapareceu com o aterro que acabou com a beleza das baías da Praia de Belas, do Gasômetro e do Cristal, tudo isto pela sanha imobiliária que desfigurou uma cidade que se debruçava em um rio desde o começo dos tempos.
(Abaixo, o Iponá varado na Coroa dos Bagres, hoje parte do aterro)
Canela, 29 de dezembro de 2016
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