Lagoa Mirim: ficou na vontade
Velejando na estiagem
Texto e fotos: Claudia Barth
Depois do sufoco de enfrentarmos a nossa costa numa travessia até Florianópolis no verão de 2004, em 2005 resolvemos fazer um cruzeiro mais “light”, curtindo as nossas águas sem pressa e sem o compromisso de chegar. Partimos de Porto Alegre com três tripulantes a bordo: meu irmão André, comandante e cozinheiro de mão cheia, meu sobrinho Vitinho, proeiro e faz-de-tudo-um-pouco-a-bordo, desde descascar batatas até consertos hidráulicos e elétricos, e eu, médica de bordo, quando não sou eu o próprio paciente, navegadora, timoneira e responsável pela manutenção da ordem dentro da cabine. O Guaíba estava bem abaixo do seu nível normal, com uma coloração esverdeada de dar inveja ao mar do Caribe. Pernoitamos a primeira noite na Praia do Sítio, em Itapuã, e seguimos na manhã seguinte em direção a Rio Grande. Na Lagoa dos Patos, fizemos nossa rota habitual: Rio Negro, São Simão, Cristóvão Pereira e Capão da Marca. Ancoramos à tardinha no Bojuru. Soprava um nordeste com muita onda. Neste ancoradouro, não há abrigo para esse vento. Jantamos e tentamos dormir. Não conseguimos, pois o barco balançava muito. Decidimos, então, seguir viagem, nos revezando no timão. Entramos no Canal da Feitoria pela manhã e chegamos à tarde em Rio Grande. Foi uma travessia tranqüila, sem grandes surpresas, o que nem sempre é assim. Atravessar o Canal da Feitoria é um desafio. Ele é estreito, longo e com um trânsito intenso de navios. Há muitos baixios na região e estacas de madeira ao longo do seu percurso. Muitas avançam dentro do próprio canal, um perigo à navegação. São os famosos “paliteiros da Feitoria”, verdadeiras cercas dentro d’água. Além disso tudo, às vezes temos de enfrentar fortes correntezas e o mau tempo. Já pegamos, em outra ocasião, um temporal na Feitoria. Foi uma situação bem complicada. Era nossa primeira navegada a Rio Grande e não conhecíamos direito o nosso barco. Para não forçar o motor, tivemos de bordejar naquele canal estreito, com vento e chuva fortes, sem visibilidade nenhuma. Graças à carta náutica e ao GPS, conseguimos enfrentar bem a situação. Mesmo em tempos de navegação digital, aconselho a todos ter sempre as cartas de papel a bordo. A chegada em Rio Grande foi, como sempre, uma experiência muito boa. Como é bom chegar lá depois de enfrentar a lagoa ou o mar. Além disso, o pessoal do Rio Grande Yacht Club recebe a gente super bem, de uma maneira muito especial, acolhedora. A gente se sente em casa. O problema é que não dá vontade de ir embora. Depois de tomarmos um bom banho e descansarmos, abastecemos o barco com compras, água e combustível e saímos para o mar. Ficamos três dias velejando sem rumo certo, só pelo prazer de velejar no mar –“para salgar o casco”, como diz o nosso comandante. Navegamos até umas vinte milhas ao sul de Mostardas e, quando retornamos à barra de Rio Grande, ainda era noite. Ficamos circulando na volta até amanhecer, quando, então, entramos. Três navios nos acompanharam. Foi muito interessante observar o trabalho dos práticos de porto subindo nos navios. Pernoitamos junto à margem, após um bom banho de rio. A água , apesar de turva, é limpíssima. Na manhã seguinte, partimos rumo a Santa Isabel, nossa última parada antes de chegar à Lagoa Mirim. Pretendíamos abastecer o barco com algumas compras, mas tudo o que conseguimos foi gelo, que tivemos de encomendar para o dia seguinte, algumas garrafas de refrigerante e uma paleta de ovelha com um cheirinho meio suspeito, que eu apelidei de “ovelha maturada”. Os habitantes de Santa Isabel são gente simples e simpática, não têm pressa para nada, parece que estão isolados do resto do mundo.
Após navegarmos até a nascente do São Gonçalo, finalmente avistamos a Lagoa Mirim. Foi emocionante ver aquela imensidão de água doce, muito parecida com a Lagoa dos Patos. Infelizmente, não conseguimos entrar na lagoa, pois a profundidade no sangradouro estava muito baixa, em torno de 80 cm. Que pena! Ficou só na vontade. A frustração de não conseguirmos entrar na Lagoa Mirim foi aliviada com um delicioso churrasco de “ovelha maturada”, assado em terra, às margens do São Gonçalo. A churrasqueira foi improvisada com restos de tijolos que achamos na beira do rio. Na época, não conhecíamos o Danilo para nos emprestar a sua famosa churrasqueira portátil. Saímos de São Lourenço com uma frente fria que nos empurrou até o Bojuru. A lagoa foi mudando de cor. Perto da costa, era turva, mais escura. À medida em que nos afastamos, tornou-se mais clara, esverdeada, muito bonita. Nossa última escala na lagoa foi no Farol de Cristóvão Pereira. Realizei meu sonho de ver esse majestoso farol de perto. Impressionante o fascínio que ele exerce na gente, com toda a sua imponência. Infelizmente, existe a ameaça dele ruir. Acho que todos os esforços devem ser feitos para preservar esse farol, tão importante para a nossa navegação. Nossa viagem termina com o tradicional pernoite na Praia do Sítio e chegada em Porto Alegre no dia seguinte. Atracamos no Veleiros do Sul após dezesseis maravilhosos dias a bordo. Com o coração apertado, nos despedimos do VICTOR, nosso companheiro de tão bons momentos, já pensando nas nossas próximas navegadas. __________________________ |
Bojuru, com suas dunas e figueiras
Vitinho e seu sandboard
Vão móvel da ponte ferroviária sobre o São Gonçalo. Logo atrás vê-se a ponte rodoviária.
Eclusa no São Gonçalo, junto à barragem que evita a salinização na estiagem
O Victor na margem do Canal São Gonçalo
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